O Sudeste
Ludymila Siqueira
Goiânia – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o fim da escala 6×1 (seis dias de trabalho, um de descanso) atingiu o quórum de assinaturas necessário para começar a tramitar na Câmara dos Deputados. O projeto é de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que formalizou uma iniciativa do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), do vereador eleito carioca Rick Azevedo (PSOL).
Deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) (Foto: Câmara dos Deputados)
Com o intenso debate sobre a medida nas redes sociais, a proposta ganhou tração também entre siglas do Centrão. O texto conta com assinaturas de 20 deputados federais da União Brasil, 15 assinaturas do PSD, dez do Progressistas, sete do Republicanos e até o apoio de um parlamentar do PL, o deputado federal Fernando Rodolfo (PL-PE).
PEC fim da escala 6×1: o que dizem os especialistas?
Professor do curso de Ciências Econômicas da FACE/UFG, Everton S. T. Rosa (Foto: arquivo pessoal)
Ainda segundo o economista, a PEC deve democratizar o acesso ao tempo livre, além de valorizar o trabalho e o trabalhador. “Não é uma iniciativa isolada e vem na esteira de um processo mundial com várias experiências em curso. Destaco este processo, pois é de se antecipar ser muito impopular ficar contra a PEC, o que não significa ser a favor do 4×3. Imagino que a linha de resistência seja estabelecer um 5×2 tardio no Brasil e ainda tentar de alguma forma de compensação patrocinada pelo Estado, o que deve ser evitado”, destaca.
Mestre em Economia, Luiz Carlos Ongaratto (Foto: arquivo pessoal)
“Para os trabalhadores, a PEC 6X1 não terá um impacto diretamente com a remuneração e emprego, mas na qualidade de vida. Quando falamos em leis trabalhistas, a gente dialoga com temas mais voltados às empresas e ao mercado de trabalho. Minha avaliação é positiva, especialmente porque estamos alinhando às práticas internacionais”, avalia.
Luiz lembra que as discussões relacionadas às jornadas de trabalho menores estão cada vez mais presentes no mercado mundial. Ele cita a perspectiva europeia que, segundo o economista, é um referencial para o país. “São debates que, se a população está engajada, ele vai ser votado. Ele vai para a frente. Acredito ser algo que, independentemente de esquerda, direita, enfim, de qualquer posicionamento político, quando toca o trabalhador é necessária essa união para defender o interesse de todos nós”, pontua.
Para o advogado empresarialista Matheus Scoponi, seguindo os resultados internacionais e de aplicações feitas no Brasil, é possível avaliar que a redução da jornada de trabalho semanal, passando-se para 4×3, implica em melhoria da qualidade de vida do trabalhador e não representa perda de produtividade à empresa, ou seja, há ganho mútuo.
Advogado empresarialista Matheus Scoponi (Foto: arquivo pessoal)
“É difícil afirmar sem dados robustos se haverá impacto na renda dos trabalhadores, mas a experiência internacional e até mesmo brasileira nos diz que não. É possível projetar por essas experiências que a renda dos trabalhadores se manterá ou até crescerá, a depender do modelo de remuneração, e a produtividade aumentará”, defende.
Segundo o advogado, o desafio maior será a mudança de cultura. No setor produtivo, conforme explica, em termos de horários de funcionamento ou de exercício direto das atividades por funções específicas, podem ser alterados pelo auxílio da tecnologia e no de consumo pela forma de atendimento e horário.
“A proposta é benéfica a todas as partes envolvidas no debate. Os trabalhadores passarão a ter mais tempo à disposição, o que impacta positivamente em saúde e bem-estar, trazendo retorno no serviço prestado. A melhora na prestação de serviço causa aumento de produtividade, que no final significa crescimento de resultados e lucros das empresas”, descreve.
PEC do fim da escala 6X1: o que diz o setor produtivo?
Presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Goiás (Fecomércio-GO), Marcelo Baiocchi Carneiro avalia o projeto da PEC 6X1 com preocupação. “Até acredito que alcança as assinaturas desejadas, visto que é eleitoralmente muito favorável para quem assina. Porque quem não deseja trabalhar quatro dias na semana, sugeriria que o salário mínimo fosse a R$ 5 mil, como o ideal. No entanto, o Brasil não comporta”, avalia.
Para Marcelo Baiocchi, o país não deve comparar os modelos alcançados em outros países. “O Brasil não está pronto para trabalhar na mesma escala que a Europa e países que estão consolidados e têm uma produtividade muito maior. A produtividade de um trabalhador brasileiro é um terço do europeu e um quarto do americano, e não é por culpa única e exclusivamente dele. Pode-se destacar vários fatores, como a qualificação e as leis trabalhistas restritivas. Então, muita coisa precisa ser discutida antes de uma proposta como esta”, diz.
Presidente da Fecomércio, Marcelo Baiocchi Carneiro (Foto: reprodução)
Marcelo também traz um viés relacionado às empresas brasileiras, sendo a maioria micro e pequenas empresas, que geram quase 60% dos empregos. Para ele, estes negócios não sobreviveriam em uma realidade de escala de trabalho reduzida. “Não conseguirão contratar mais funcionários para continuar produzindo e entregando produtos e serviços. Vai ser impraticável. A realidade do Brasil é diferente e não pode ser comparada a outros países. Então, vemos como uma medida que pode trazer consequências que não estamos preparados para assumir, esse é o nosso ponto de vista”, pontua em entrevista à reportagem do A Redação.
Por meio de nota, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Goiânia defende que a redução da carga horária não garante, por si só, a qualidade de vida dos trabalhadores e pode gerar aumento de custos, alta nos preços e até desemprego. “Para a entidade, o bem-estar dos funcionários é influenciado por uma série de fatores que passam por políticas públicas e incluem o acesso a um transporte público eficiente, uma educação de qualidade e um sistema de saúde adequado”, diz o texto.