Falta de regulação de redes sociais impulsionam crimes praticados contra crianças e adolescentes no Brasil

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O Sudeste

A prisão de dois homens e a apreensão de sete adolescentes suspeitos de praticar crimes contra menores de idade na internet reforçou a atuação de criminosos no ambiente virtual, principalmente por meio de plataformas de conversa como o Discord. A ação, coordenada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ), foi realizada em Goiás e outros seis Estados nesta terça-feira, 15.Sem uma legislação específica que regulamente as redes sociais no Brasil, o espaço cibernético virou “terra fértil” para cibercriminosos, principalmente os envolvidos com delitos sexuais praticados contra menores de idade. Entre os crimes mais comuns estão estupro virtual, sextoshel (estelionato sexual), exploração sexual infantojuvenil e produção, armazenamento e divulgação de conteúdo pornográfico de crianças e/ou adolescentes.

Há ainda o aliciamento e grooming (preparação do menor para abuso), assédio online, cyberbullying e indução ao suicídio e automutilação em grupos virtuais – este último normalmente transmitido ao vivo por meio de plataformas de conversas em grupo. Em grande parte, o contato entre vítima e criminoso começa por meio de jogos e grupos de bate-papo, mas pode evoluir para conversas privadas ou crimes cometidos dentro da comunidade online.

“A vítima não tem perfil, pode ser qualquer criança ou adolescente que usa internet. O autores, na sua grande maioria, são homens adultos, mas a gente também vê menores de idade praticando ato infracional análogo com crianças”, afirma a titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (DERCC) da Polícia Civil de Goiás (PCGO), Marcella Orçai, ao Jornal Opção.

Embora falte normas jurídicas, o país possui leis – mesmo que insuficientes – que podem ser aplicadas neste contexto, segundo o presidente da Comissão de Direito Digital e Informática (CDDI) da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO), Cristiano Moreno. São elas:

  • Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014): estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, definindo algumas responsabilidades dos provedores de internet e redes sociais;
  • Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13.709/2018): regula o tratamento de dados pessoais, inclusive por redes sociais, visando mais o uso dos dados e a coleta;
  • Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990): garante proteção integral aos menores, proibindo a exposição de crianças a conteúdos inadequados, especialmente para combater a criação, armazenamento e divulgação de imagens ou vídeos com pornografia infantil;
  • Código Penal e leis específicas (como a Lei Carolina Dieckmann – Lei 12.737/2012): tipifica crimes cibernéticos como invasão de dispositivos, divulgação de imagens íntimas;
  • Combate à Intimidação Sistemática (Lei 14.811/2024): visa a proteção de crianças e adolescentes contra a violência, especialmente nos ambientes escolares e virtuais. Ao criminalizar o bullying e o cyberbullying, a legislação busca coibir essas práticas e promover um ambiente mais seguro para os jovens, especialmente nas redes sociais.

Há ainda o PL das Fake News (PL 2630/2020), que segue travado no Congresso Nacional. O texto busca estabelecer deveres de transparência e responsabilização de plataformas quanto a divulgação de conteúdos falsos. Dentre as principais medidas estão:

  • Plataformas poderão ser responsabilizadas civilmente por conteúdo de terceiros quando não cumprirem seus deveres de moderação ou deixarem de agir diante de denúncias;
  • Divulgação de relatórios periódicos de moderação: remoções, denúncias, perfis banidos, etc;
  • Detalhamento de conteúdos impulsionados ou patrocinados, com identificação do pagador;
  • Proibição da criação e manutenção de contas inautênticas (bots não identificados).

“As leis atuais são fragmentadas e, muitas vezes, não acompanham a velocidade com que as tecnologias e os crimes evoluem. A falta de responsabilização clara das plataformas sobre conteúdos ilegais dificulta a fiscalização e aplicação efetiva, deixando muitas empresas atuarem nas lacunas legais sobre moderação de conteúdo, algoritmos, uso de dados biométricos”, afirma Moreno.

O vácuo jurídico provocado pela falta de regras claras e específicas faz com que criminosos se aproveitam da falta de fiscalização, da dificuldade de rastreabilidade de autores e da demora ou ausência de respostas das plataformas a ordens judiciais – fato que favorece não só conteúdos com desinformação e discurso de ódio, como também crimes contra menores.

Cenário em Goiás

Mesmo estagnada em relação às redes, especialistas reconhecem que a legislação brasileira avançou na criminalização dos atos praticados no meio virtual – atualmente considerados hediondos, especialmente quando envolvem produção ou transmissão de conteúdo pornográfico com menores.

A presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA) da OAB-GO, Roberta Muniz, diz que há expectativa com a tramitação dos projetos de lei mencionados, que visam proteger crianças na internet.

Em Goiás, segundo ela, há uma mobilização da Rede de Proteção e das instituições que compõem o Sistema de Justiça para debater formas de coibir crimes e proteger as crianças e adolescentes através de audiência pública, que será realizada na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), no próximo dia 29 de abril.

“Embora os dados oficiais sejam limitados, o cenário em Goiás acompanha a tendência nacional de aumento de crimes virtuais contra menores, principalmente após a pandemia, quando o tempo online cresceu drasticamente”, reforça.

Prevenção

Roberta, assim como a delegada Marcella Orçai, reforçam que é possível prevenir e identificar crianças e/ou adolescentes vítimas de crimes virtuais. A advogada afirma que a proteção exige ação conjunta da família, escola, rede de proteção e do Estado. Algumas medidas práticas incluem:

  • Monitoramento do uso da internet por pais e responsáveis;
  • Uso de contas vinculadas (já previsto em PLs) com controle parental;
  • Denúncias imediatas via canais como Disque 100, SaferNet, e delegacias especializadas;
  • Escolas devem trabalhar com educação digital e prevenção de abusos;
  • Plataformas devem implementar ferramentas de denúncia e remoção rápida de conteúdo ilegal.

“Os sinais são os mesmos de crimes sexuais que não sejam virtuais, como isolamento da criança, queda de rendimento escolar e agressividade. É a mudança comportamental no geral”, concluiu a delegada.

Adolescência

O assunto voltou à pauta com a nova série da Netflix, “Adolescência”, que ganhou destaque em toda a América Latina ao abordar com profundidade e sensibilidade os dilemas da juventude contemporânea. Com quatro episódios de 50 minutos, a produção utiliza planos-sequência, drones e bodycams para compor uma narrativa envolvente que mistura drama psicológico e investigação criminal. A trama parte do assassinato de uma adolescente e revela, aos poucos, os conflitos emocionais e digitais que envolvem tanto os jovens quanto os adultos.

A série retrata a dificuldade de comunicação entre pais e filhos diante das novas realidades virtuais, expondo o distanciamento dos adultos em relação ao universo digital dos adolescentes — feito de jogos online, redes sociais e avatares. A investigação policial, que inicialmente busca evidências físicas, acaba esbarrando em características como o incel (celibatário involuntário) e a masculinidade ressentida. A construção dos personagens é densa, com destaque para o garoto de 13 anos e para uma psicóloga que tenta compreender a origem dos traumas, sem recorrer a explicações simplistas.

Mais do que um thriller ou drama familiar, “Adolescência” oferece um retrato impactante da adolescência em tempos de inteligência artificial, redes sociais e hiperconectividade. O uso com naturalidade de termos como “incel” por adolescentes mostra o quanto a linguagem e as angústias dessa geração já se distanciaram das referências de seus pais. Com isso, a série funciona como alerta sutil para famílias que ainda subestimam os riscos escondidos entre quatro paredes — e nos celulares que seus filhos carregam no bolso.

Jornal Opção

 

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